27.1.11

projecto Rita Wotton

Quem é a Rita Wotton? Figura inventada, alter-ego, manifestação do inconsciente, bióloga e mãe, figura feminina num mundo ainda sujeito a um pensamento falocêntrico, mas também é expiação ou catarse, divagação, fuga e retorno à identidade, desdobramento no múltiplo, cópula de significantes e significados. É um afunilamento de referências, de peças soltas constituídas por um conjunto de memórias familiares e históricas, de entidades reais conhecidas e de outras anónimas, que são permeáveis e imensamente absorventes, mas que ao contrário de um puzzle apresentam uma infinidade de possibilidades de agrupamento. Como num tangran ou num rizoma, existe aqui uma tentativa de congregar elementos díspares, pedaços aleatórios da poeira dos dias, em arranjos/narrativas múltiplos, sem que haja uma disposição final ou definitiva: existe sim um processo.
Este processo, de criação da personagem, iniciou-se com a recolha e catalogação de cicatrizes de um grupo referencial composto por quatro pessoas. Partindo desse conjunto de cicatrizes, que remetem para acontecimentos específicos e reais, como uma queda de bicicleta, uma queimadura ou até o próprio nascimento (umbigo), criei uma cronologia que abrange alguns dos momentos decisivos na vida da personagem, aos quais acrescentei factos inventados, desenvolvendo uma narrativa verosímil que unisse os dez momentos-chave para os quais as cicatrizes remetem. À volta dessas cicatrizes delineou-se todo um cenário, um ambiente atmosférico em que proliferam os detalhes, um texto-guia eminentemente explicativo: desde o rascunho de pormenores contextuais, que nos envolvem e transportam para uma casa de tectos altos, para um jardim com cheiros múltiplos e sons indefiníveis, ou ainda um espaço floresta-virgem, através de descrições que abarcam todas as dimensões sensoriais, até relatos vivos dos momentos específicos em que o corpo serve de suporte para a acção perpétua de desenho do tempo.

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